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ALTERNATIVA

Amazônia investe na produção de biocombustíveis

SUSTENTABILIDADE - Instituições de pesquisa do Pará e Amazonas usam resíduos de açaí e tucumã, além de microrganismos, para gerar fontes renováveis de energia

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

31/05/2025

Um dos principais objetivos da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá em novembro, em Belém, é discutir a redução das emissões dos gases do efeito estufa e, assim, conter o aquecimento global. Mais de 80% dessas emissões provêm da queima de combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo. Por isso, o mundo inteiro investe em iniciativas de transição energética, substituindo as fontes fósseis por aquelas renováveis e limpas.

Na Amazônia, região tão importante para o combate às mudanças climáticas, pesquisadores se dedicam a estudar a produção de biocombustíveis, um dos tipos de fonte de energia limpa, a partir de experimentos com várias matérias-primas regionais, como o açaí. 

É o caso do projeto Sustenbio Energy, desenvolvido no Laboratório de Transformação e Valorização de Resíduos Agroindustriais da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob coordenação do professor Nélio Machado. O objetivo da iniciativa é transformar caroços de açaí e tucumã em gasolina, querosene e diesel verdes, biogás, bio-óleo com propriedades farmacológicas e bioasfalto, feito do resíduo do processo de transformação dos caroços em óleo. 

“Desenvolvemos processos, produtos e tecnologias para transformar e valorizar os resíduos agroindustriais. A destinação dos resíduos sólidos é um problema ambiental a nível mundial. Durante a safra do açaí, só na Grande Belém, são produzidas cerca de 400 toneladas de resíduos por dia, a maior parte descartada inadequadamente, na rua, gerando problemas, como proliferação de vetores de doenças. Na produção do açaí, 85% do material é semente, então, completamos esse processo, aproveitando tudo. Isso valoriza o resíduo e a cadeia do açaí, a economia circular”, destaca o pesquisador.

TECNOLOGIA

Para produzir os biocombustíveis e bioasfalto, os pesquisadores coletam os caroços em áreas do entorno da UFPA. Eles são secos, triturados, ativados quimicamente e colocados em um reator, com temperaturas que variam entre 350º e 450º. O resultado é condensado e, em seguida, passa por destilação, originando o bio-óleo do açaí. 

“A reação química separa o composto de acordo com a facilidade de vaporizar. A fração mais leve, volátil, é a biogasolina; a média, a gente chama de bioquerosene; já as mais pesadas, são o biodiesel. E a mais pesada de todas, que sobra no equipamento, é o bioasfalto, ou bioligante para asfalto, um bloco que serve para fazer o cimento asfáltico”, explica Lucas Bernar, um dos pesquisadores.

Nélio Machado aponta que o bio-óleo produzido tem alto poder calorífico e pode ser utilizado na produção de energia em turbinas, por exemplo. “São diversos produtos com alto valor agregado, incluindo biocombustíveis, biogás, bioligante asfáltico, carvão ativado que pode ser utilizado na produção de biofiltros para comunidades isoladas. Queremos também que esses biocombustíveis sejam utilizados nessas comunidades, seja em barcos e rabetas ou em geradores”, aponta o coordenador. 

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O bio-óleo produzido tem alto poder calorífico e pode ser utilizado na produção de energia em turbinas (Foto: Igor Mota)

“Além disso, o bio-óleo tem propriedades antioxidantes e farmacológicas contra agentes infecciosos. Então, em outra vertente, na área da saúde, em parceria com a professora Marta Monteiro, da Faculdade de Farmácia, trabalhamos na produção de nanoemulsões, que seriam usadas, por exemplo, na parte cutânea”, complementa Machado.

Para o coordenador, o uso de resíduos do açaí e produção de biocombustíveis combate vários problemas ambientais, desde dar destinação às sobras da produção quanto na geração de produtos alternativos ao petróleo. “Também acabamos por fortalecer a bioeconomia”, destaca. 

Tucumã é esperança para futuro energético

O projeto Sustenbio Energy é sediado na UFPA, mas trabalha em parceria com várias outras instituições de pesquisa: Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), ambas no Pará; Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Universidade Estadual do Amazonas (UEA); Universidade Federal de Pernambuco; e Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro.

Na Ufam, sob coordenação do engenheiro químico Douglas Castro, o foco maior é nos resíduos dos caroços de tucumã, fruto muito consumido no estado. “O tucumã faz parte da identidade cultural e alimentar dos amazonenses, assim como o açaí no Pará. A produção, no Amazonas, gira em torno de 2.500 toneladas anuais, das quais 70% são resíduos do beneficiamento, como caroços, cascas e cachos. Cerca de 92% desses resíduos são descartados de forma inadequada nas ruas, rios e igarapés, gerando passivos ambientais. Consideramos um desperdício de aproveitamento energético. O que antes era descartado pode se transformar em oportunidade real para a bioeconomia e para um futuro energético mais sustentável na Amazônia”, enfatiza Castro.

VALORIZAÇÃO

As pesquisas para a produção de biocombustíveis e bioasfalto a partir do tucumã são realizadas pelo Grupo de Pesquisa Tecnologias Biossustentáveis da Amazônia Aplicados à Descarbonização, o GP TecbioAM. “Buscamos soluções inovadoras e sustentáveis para a valorização dos resíduos amazônicos. O nosso foco é transformar subprodutos agroindustriais da cadeia produtiva do tucumã em fontes renováveis de energia e insumos de alto valor agregado de interesse industrial. Assim, a gente promove a economia local, com impacto social e ambiental”, afirma o pesquisador da Ufam. 

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A partir do tucumã, pesquisadores desenvolveram bio-óleo, biogasolina, bioquerosene e diesel verde, semelhantes aos combustíveis derivados do petróleo (Foto: Grupo de Pesquisa TecbioAM)


“Estamos construindo um futuro em que o combustível do Brasil pode vir da biomassa amazônica de forma limpa, renovável, sustentável e alinhada, claro, com as metas climáticas globais”, enfatiza. 

Até o momento, os pesquisadores já conseguiram desenvolver, a partir do tucumã, o bio-óleo, a biogasolina, o bioquerosene e o diesel verde, semelhantes aos combustíveis derivados do petróleo, além de biogás, biocarvão e bioligantes para aplicação em asfaltos sustentáveis. Todos os materiais são testados em laboratórios parceiros, em motores, turbinas e equipamentos que avaliam as propriedades mecânicas da pavimentação.

LOA

O Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), vinculado à UFPA e sediado no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT Guamá), também utiliza resíduos para produzir biocombustíveis. De acordo com o vice-coordenador do laboratório, Luís Adriano Nascimento, são utilizados resíduos das cadeias de óleos produzidos na Amazônia, sobretudo o óleo de palma. 

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No Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), da UFPA, resíduos das cadeias produtivas amazônicas, como o óleo de palma, são transformados em biocombustíveis (Foto: Igor Mota)


“No Pará, são refinadas toneladas e toneladas de óleo de palma, pois é o maior produtor do Brasil. Os resíduos da desodorização, que retira o cheiro desagradável do produto, são pura gordura, e são um problema para descartar, mas podem gerar biodiesel. Também usamos gordura extraída do caroço do bacuri, manteiga do caroço do cupuaçu, óleo de andiroba, óleo de buriti. No refino de qualquer tipo de óleo, é gerada essa borra, que pode virar biocombustível”, diz o pesquisador. 

O químico afirma que esses resíduos podem ser uma alternativa para geração de energia em pequena escala para comunidades isoladas, que não têm acesso à rede elétrica. “Eles podem trabalhar ali mesmo a extração de um óleo e, com esse óleo, ou com o resíduo dele, podem fazer a produção do biodiesel que vai abastecer o gerador”, sugere. 

A mais nova frente de trabalho do LOA é a produção de combustível sustentável para aviação. “Essa é uma tendência mundial, na busca de alternativas ao querosene que vem do petróleo, para abastecer os aviões. Então, estamos também nessa busca, usando resíduos da Amazônia”, pontua Luís.

Bactérias e algas são opções promissoras

Uma outra linha de pesquisas do LOA é a produção de biocombustíveis a partir de algas e cianobactérias da Amazônia. Segundo o coordenador, a tecnologia é promissora. “Temos tido resultados excelentes em escala de laboratório para a produção de biodiesel. Esses microrganismos são capazes de produzir óleos e gorduras, a partir dos quais podemos gerar biodiesel e combustível sustentável de aviação”, adianta. 

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As cianobactérias e microalgas usadas no laboratório foram coletadas em Tucuruí, no sudeste do estado, e em Belém (Foto: Igor Mota)


As cianobactérias e microalgas utilizadas no laboratório foram coletadas no reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e no lago Bolonha, localizado no Parque Estadual do Utinga, em Belém. “Esses microrganismos estão em todo lugar onde haja água parada. Eles são de fácil adaptação e cultiváveis. Nós colocamos nutrientes e eles crescem de forma muito rápida. Enquanto uma espécie, como a palma, leva de quatro a cinco anos para crescer, os microrganismos levam dias para se desenvolver e produzir óleo. Então, tem essa vantagem”, comenta o pesquisador.

PARCERIAS

Segundo o vice-coordenador do LOA, a pesquisa mostra o caminho científico para o produto, mas apenas por meio de parcerias com empresas os biocombustíveis poderão ser produzidos em escala comercial. Ele conta que já há previsão de assinatura de contratos com empresas interessadas, sobretudo para a produção de combustível de aviação. “A empresa investirá o capital financeiro e os pesquisadores o capital intelectual, além de toda a estrutura que a UFPA e o Parque de Ciência e Tecnologia oferecem. Quando o produto for comercializado, o retorno será para todos, na divisão dos royalties e patentes”, informa. 

Já o professor Nélio Machado antecipa que o projeto Sustenbio Energy busca parcerias com o setor público para conseguir financiamento para a construção de uma unidade de processamento de biocombustível do açaí, preferencialmente próximo dos municípios que são os maiores produtores estaduais, como Igarapé-Miri. “Essa usina teria a capacidade de produção de 500 quilogramas por hora. Serviria como portfólio para mostrar que temos a capacidade técnico-científica para transformar esses caroços em produtos de alto valor agregado. Já não estamos mais na fase da pesquisa, e sim do escalonamento para a produção”, enfatiza. 

Pesquisadora analisa bio-óleo produzido a partir dos resíduos do tucumã - Foto - Grupo de Pesquisa TecbioAM.jpeg
Pesquisadora analisa bio-óleo produzido a partir dos resíduos do tucumã (Foto: Grupo de Pesquisa TecbioAM)


No Amazonas, Douglas Castro relata que os pesquisadores também estão em tratativas com empresas, buscando financiamento para projetos pilotos. “Estamos situados na Zona Franca de Manaus, com polo industrial muito interessado em projetos que visem a sustentabilidade. Então, o nosso foco, agora, é amadurecer essas soluções, para que elas possam em breve ganhar o mercado, com a força que a Amazônia merece”, conclui.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção da Liberal Amazônia é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. Os artigos que envolvem pesquisas da UFPA são revisados ​​por profissionais da academia. A tradução do conteúdo também é assegurada pelo acordo, por meio do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multissemiótica.