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SISTEMAS AGROFLORESTAIS

Cultivo do dendê reduz impactos ambientais no Pará

DINÂMICA - Experiência exitosa em Tomé-Açu comprova a alta produtividade e sustentabilidade da técnica, fortalecendo a cadeia do óleo no estado, que responde por 90% da produção nacional

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

28/04/2025

O dendê é muito associado à culinária baiana, que tradicionalmente o utiliza em suas receitas, como acarajé e vatapá. Contudo, a Bahia não é o maior produtor do que é também conhecido como óleo de palma: cerca de 90% da produção nacional vem da Amazônia, mais especificamente, do estado do Pará. 


Além do uso na culinária, o dendê tem várias outras utilidades comerciais, como produção de cosméticos, produtos de limpeza e biodiesel e promoção de benefícios à saúde. Diante de todas essas possibilidades, o dendê é o óleo vegetal mais utilizado no mundo, com cerca de 35% do consumo total. O dendezeiro é uma planta altamente produtiva, que rende de quatro a cinco toneladas de óleo por hectare a mais que outras espécies, como girassol e soja.


Porém, a monocultura do dendê pode gerar impactos sociais e ambientais, ao causar desmatamento, poluição pelo uso de agrotóxicos, perda da biodiversidade, alteração nos modos de vida das populações tradicionais e aumento das emissões de gases do efeito estufa. Com o crescimento da demanda mundial pelo óleo e a consequente expansão das áreas produtivas, o produto acabou se tornando um importante vetor de desmatamento no mundo, sobretudo no sudeste asiático, que responde por cerca de 80% da produção mundial, mas também no Norte do Brasil. 


Justamente por isso, o Brasil tem um Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, que incentiva a produção do dendê em terras degradadas, evitando a abertura de novas áreas para cultivo.

 

SAFS

 

Além do que é previsto no programa nacional, outras iniciativas pretendem tornar a produção de dendê ainda mais sustentável. É o caso do cultivo em sistemas agroflorestais (SAFs), que associam o dendezeiro a demais culturas agrícolas em uma mesma unidade de manejo, em arranjos espaciais ou sequências temporais dos cultivos.


“No sistema agroflorestal, existem interações ecológicas e econômicas entre os diferentes componentes e isso agrega para a palma de óleo. Esses coletivos têm uma maior resiliência, podem mitigar os gases do efeito estufa, apresentam uma maior biodiversidade, fornecem melhor microclima dentro daquele sistema e menor penosidade do trabalho dos agricultores devido ao conforto térmico. Esses sistemas também diversificam a renda e, portanto, trazem melhor segurança alimentar”, explica o engenheiro agrônomo Gilson Matos, professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e estudioso de SAFs de dendê.

 

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O engenheiro agrônomo Gilson Matos, professor da UFRA, explica que, nos SAFs, existem maiores interações ecológicas agregando para o dendê (Foto: Arquivo pessoal)


De acordo com ele, a produção no sistema agroflorestal não é por pico de safra, como no monocultivo, mas contínua ao longo do ano. “No caso do sistema da palma de óleo, pode ir até 25, 30 anos de produção. E a vantagem é que você pode adaptar para a realidade local das famílias”, complementa.

 

LEGENDA: Patrícia Mie, engenheira ambiental e membro de uma família que produz dendê em SAFs, relata que a alta produtividade é um dos grandes benefícios do negócio

Pará é líder de produção nacional

 

Por ser o líder nacional de produção, o dendê é uma importante cultura para o estado do Pará, que tem nos municípios de Tailândia, Tomé-Açu, Moju e Acará seus maiores produtores. “O Pará tem, de longe, a maior área plantada no país, chegando próximo de 230 mil hectares, concentrados principalmente no nordeste do estado. Isso gera uma significativa absorção de mão de obra local no cultivo da palmeira e na extração do seu óleo”, aponta Matos.


Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente a 2023, o dendê é cultivado em 30 municípios paraenses, com produção aproximada de 2,9 milhões de toneladas anuais.

 

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SAF de dendê em Tomé-Açu, no Pará. ““No sistema agroflorestal, existem interações ecológicas e econômicas entre os diferentes componentes e isso agrega para a palma de óleo. Esses coletivos têm uma maior resiliência, podem mitigar os gases do efeito estufa, apresentam uma maior biodiversidade, fornecem melhor microclima dentro daquele sistema e menor penosidade do trabalho dos agricultores devido ao conforto térmico”, diz Gilson Matos (Foto: Divulgação)

PESQUISA

 

Em Tomé-Açu, experimentos com dendê em SAF, em consórcio com outras espécies agrícolas e florestais, têm apresentado resultados promissores. Há 17 anos, uma parceria entre a empresa de cosméticos Natura, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu (CAMTA) estuda o cultivo em sistemas agroflorestais, com a confirmação da eficiência e promoção de serviços ecossistêmicos ao entorno. 


Uma das famílias participantes e pioneiras da iniciativa é a Suzuki, tradicional produtora de pimenta-do-reino. A cultura da pimenta se mantém, mas membros da nova geração investem não apenas em outros cultivos, mas também no uso de técnicas mais sustentáveis.


Uma das representantes da família Suzuki, a engenheira ambiental Patrícia Mie atua na propriedade do núcleo familiar, de 400 hectares. O SAF de dendê, atualmente com 49 hectares, consorcia o dendezeiro com mais de 15 espécies nativas, como cacau, açaí, andiroba, ipê rosa, guanandi e tachi branco. Os produtores também introduziram abelhas sem ferrão para ajudar na polinização e aproveitar a produção de mel. 
 

De acordo com Patrícia, os estudos da Embrapa provaram que os dendezeiros cultivados em SAF são mais produtivos, em menor área plantada: enquanto na monocultura chegam a 139 quilogramas de cachos de frutos por planta, nos SAFs chegam a 180 quilogramas. O rendimento do óleo também é maior, de 18 a 22% para 24,7%.

 

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Patrícia Mie e família Suzuki, de Tomé-Açu. Ela relata que a alta produtividade é um dos grandes benefícios do cultivo em SAF (Foto: Divulgação)

ECONOMIA

 

Patrícia relata que a adoção de SAFs pela família aconteceu depois que seu principal cultivo sofreu uma grande quebra de safra por conta de uma doença, mas que também foi inspirada pela observação das lavouras consorciadas dos ribeirinhos da região. Segundo a especialista, o sistema proporciona renda em diferentes momentos, de acordo com a colheita das espécies de médio e longo prazos. 


“O sistema traz benefícios econômicos para o produtor, que não fica dependendo da safra de um único produto em um único período. Se você tem cacau, açaí ou taperebá na mesma área junto com o dendê, tem a produção ao longo do ano de cada uma dessas espécies. Isso também é importante para a segurança alimentar, porque é possível inserir, nessas áreas, espécies para o consumo próprio do produtor rural. Na agricultura familiar, isso é fundamental”, pontua. 


Além disso, Patrícia lembra que a convivência entre diferentes plantios funciona como um controle de pragas, pois as doenças costumam atacar apenas determinadas espécies, o que reduz as perdas do agricultor.


“As árvores amenizam a temperatura e dão sombreamento nesse momento de calor extremo. Percebemos vantagens também para o solo, pois a deposição de matéria orgânica permite a ciclagem de nutrientes, deixando o solo e a produção mais saudáveis e aumentando o estoque de carbono nesse solo. Também observamos a biodiversidade desenvolvida, com vários tipos de cogumelos, presença de pássaros e outros animais que aproveitam o sistema como corredor ecológico. E tem benefícios para a qualidade de vida do próprio produtor”, destaca a engenheira florestal.

 

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Dendê e outros produtos do sistema agroflorestal de Tomé-Açu (Foto: Divulgação)

Rastreabilidade garante padrões socioambientais

 

Para garantir transparência, regularidade e sustentabilidade da cadeia do dendê no estado, o governo do Pará instituiu a Política Pública de Proteção e Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Dendê. A normativa define que todas as áreas de cultivo, beneficiamento e transporte do dendê sejam cadastradas junto à Agência de Defesa Agropecuária do estado (Adepará) e estabelece o Guia de Trânsito Vegetal (GTV) como instrumento para acompanhar a movimentação da produção.


De acordo com Joselena Tavares, gerente de Inspeção e Classificação Vegetal da Adepará, o objetivo é garantir que o produto seja monitorado desde a colheita até o destino, comprovando sua origem e garantindo que o cultivo ocorra dentro dos padrões socioambientais exigidos pela legislação brasileira e por acordos internacionais. “Além de fortalecer a vigilância fitossanitária, a política tem como meta criar um banco de dados oficial sobre a cultura da palma de óleo no Pará, que permita ao poder público e aos agentes do setor produtivo tomar decisões mais precisas e estratégicas”, esclarece a engenheira agrônoma.

BENEFÍCIOS

 

Para a profissional, a rastreabilidade oferece segurança jurídica e transparência e agrega valor à produção, sobretudo para os agricultores familiares. “Como atesta a conformidade ambiental e legal das áreas cultivadas, a medida facilita o acesso a mercados mais exigentes, que demandam comprovação de boas práticas”, pontua. 

 

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Segundo a diretora de Defesa e Inspeção Vegetal da Adepará, Lucionila Pimentel, a iniciativa garante não apenas o controle, mas também contribui para o setor crescer de forma organizada, inclusiva e ambientalmente responsável (Foto: Adepará)


Joselena afirma que a política atua diretamente no combate ao desmatamento e na preservação das áreas nativas. “Ao permitir o monitoramento das áreas cadastradas, contribui para o ordenamento territorial e para o controle do avanço da produção sobre áreas sensíveis. Além disso, atende às exigências de acordos internacionais que preveem o rastreamento de produtos agrícolas como forma de mitigar impactos ambientais, colocando o Pará em posição de destaque na pauta da sustentabilidade global”, diz.


Segundo a diretora de Defesa e Inspeção Vegetal da Adepará, Lucionila Pimentel, a iniciativa garante não apenas o controle, mas também contribui para o setor crescer de forma organizada, inclusiva e ambientalmente responsável. “Estamos às vésperas da COP 30 e desejamos mostrar ao mundo que é possível produzir com responsabilidade, justiça social e respeito ao meio ambiente”, finaliza a gestora. 
 

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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