A Amazônia abriga cerca de 10% da biodiversidade do planeta. O potencial de toda essa riqueza de vida é enorme, não apenas na regulação do clima, mas também como fonte de recursos, seja para alimentação, para a fabricação de medicamentos ou tantos outros produtos.
Por isso, um laboratório da Universidade Federal do Pará (UFPA), voltado à área de biotecnologia, recorre a esse potencial para criar novos materiais e produtos, sobretudo para as áreas da saúde e da agricultura, a partir de recursos naturais típicos da região, como andiroba, copaíba e caroço de açaí.
Trata-se do Laboratório de Biomateriais, Bioprodutos e Tecnologias de Biofabricação (Labbio 3D), liderado por Marcele Passos, doutora em engenharia química e professora dos Programas de Pós-Graduação em Biotecnologia, em Ciência e Engenharia de Materiais e em Ciências Farmacêuticas.
De acordo com Marcele, para desenvolver materiais e produtos, o laboratório utiliza a biodiversidade amazônica e resíduos agroindustriais para fortalecer a bioeconomia local e criar bens com alto valor agregado. “Os biomateriais são aqueles que podem entrar em contato com fluidos biológicos e podem ser utilizados na área da saúde, como em curativos, órteses ou próteses. Já os bioprodutos podem até ser desenvolvidos com as mesmas matérias-primas, mas são direcionados a outros setores, como agricultura, alimentação ou outras aplicações”, detalha.
SAÚDE
Um dos estudos do Labbio envolve a criação de órteses para as mãos de pacientes com sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), para evitar contraturas e deformações. De acordo com Lorena Silva, terapeuta ocupacional, mestranda em engenharia de materiais e pesquisadora do Labbio, as órteses produzidas no laboratório pretendem ser mais baratas, mais sustentáveis e mais confortáveis do que as que existem hoje no mercado.

“A proposta é desenvolver um material mais resistente, que mantenha todas as propriedades necessárias para a órtese e que seja biodegradável. Estudamos associar o polímero PLA [poliácido láctico], feito à base de fibra de milho ou cana-de-açúcar, com uma outra fibra vegetal para ter mais resistência mecânica e à umidade e uma boa função técnica”, pontua.
As órteses são criadas por uma impressora 3D. “A gente usa um software para fazer o desenho, com as medidas do paciente, imprime e faz a modelagem na mão. Essa órtese é mais confortável, leve, segura e com melhor custo-benefício. Então, deve ficar mais acessível à população”, garante a mestranda.
BIOCURATIVOS
Outra frente de trabalho do Labbio 3D é a produção de biocurativos utilizando bioativos da Amazônia, como óleos e extratos, associados a nanotecnologia e matrizes poliméricas. “Esses curativos são de baixo custo e utilizam recursos do conhecimento tradicional, como andiroba, pracaxi, jucá e copaíba, que têm atividades biológicas já conhecidas e estudadas”, explica a professora Marcele Passos.
O resultado é uma membrana, em formato de esparadrapo ou de filme, com ação antimicrobiana e anti-inflamatória, que melhora a oxigenação, absorve o pus, não gruda no ferimento e, por todas essas propriedades, tem maior eficiência na cicatrização da lesão.
“Com esse biocurativo, a gente acaba tendo uma atividade no processo de cicatrização e inflamação muito mais acelerada do que como se a gente estivesse utilizando um curativo convencional. O objetivo é que o recurso, após todos os testes necessários, chegue ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, pontua a coordenadora.
Bioimpressora 3D é utilizada para produzir os itens
O Labbio 3D é o primeiro laboratório da UFPA a contar com uma bioimpressora 3D. A partir da adição de um bioativo, como o óleo de copaíba a matrizes de polímeros biodegradáveis, o equipamento produz um curativo em três dimensões, ao qual são adicionadas células e fatores de crescimento. O processo se chama manufatura aditiva e é apenas uma das tecnologias de biofabricação utilizadas no laboratório. Diferente de uma impressora 3D comum, a bioimpressora utiliza células ou outros fatores de crescimento na composição do produto desejado.
A engenheira de bioprocessos e mestranda em biotecnologia Ailime Melo é uma das pesquisadoras do Labbio que estuda a produção de biocurativos a partir de extratos amazônicos e de hidrogel proveniente de algas marrons. Além disso, também utilizando a bioimpressão, ela pesquisa a produção de um biomaterial, em formato de orelha, que ajuda na regeneração da cartilagem.
“A partir de células do paciente, a bioimpressora forma um ambiente que imita o natural para que sejam produzidas células agregadas que vão ajudar na regeneração da cartilagem, se, por exemplo, o paciente sofreu um trauma e perdeu a cartilagem do nariz. O mesmo princípio é utilizado para regeneração óssea: os construtos tridimensionais produzidos pela bioimpressora serão colocados na fratura para acelerar a cicatrização, com compostos que auxiliam a adesão das células”, detalha Ailime.
PARCERIAS
O Labbio 3D atua com várias parcerias, com parte da pesquisa desenvolvida no laboratório e outra parte na instituição de pesquisa parceira. A colaboração acontece, por exemplo, com o Museu Paraense Emílio Goeldi, com o Instituto Evandro Chagas, com a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) ou com outros laboratórios da própria UFPA.
Por meio da parceria com a Ufra, são desenvolvidos os bioprodutos para a área da agricultura, mais especificamente biofertilizantes produzidos a partir de resíduos agroindustriais. Nesse caso, o laboratório é responsável pelas formulações e a Ufra por realizar os testes em campo, nos cultivos.
“Junto com o com o Grupo MicroBioMA, da Ufra, atuamos na prospecção de microorganismos e bioativos amazônicos conforme o tipo de aplicação propiciada pela planta em estudo, seja fungicida ou bactericida. Então, desenvolvemos bioinsumos, especificamente biofertilizantes, em que a gente utiliza resíduos da cadeia oleoquímica para desenvolver fertilizantes com liberação controlada e que impactem muito menos o ambiente”, relata Marcele Passos.
Celulose é criada a partir do caroço de açaí
Outra parceria do Labbio 3D com a Ufra acontece por meio das pesquisas da engenheira de alimentos e doutora em microbiologia agrícola Luciana Martins. Professora da Ufra, Luciana auxilia o Labbio na avaliação da atividade antimicrobiana dos óleos essenciais de insumos amazônicos.
Mas, além disso, ela também estuda processos fermentativos utilizando subprodutos da agroindústria, como o caroço do açaí. “Utilizamos esse caroço como uma fonte de substrato para o crescimento microbiano. Um dos bioprodutos gerados é a celulose bacteriana, ou seja, um biopolímero produzido por um determinado grupo de bactérias. E essa celulose não é como aquela extraída das plantas, ela tem várias vantagens”, afirma a professora.
De acordo com Luciana, a celulose produzida pelas bactérias tem alta pureza, resistência mecânica e consegue incorporar líquidos. Por isso, pode ser usada como curativo para queimaduras, incorporando fármacos de liberação controlada. Também pode ser empregada na filtração de efluentes, retirando das águas compostos de mais difícil degradação e contribuindo para o meio ambiente. “Além disso, utilizando resíduos agroindustriais, como o caroço do açaí, tão abundante na nossa região, também acabamos promovendo uma economia circular”, lembra a pesquisadora.
VALORIZAÇÃO
De acordo com Marcele Passos, o Labbio pretende valorizar o conhecimento tradicional amazônico e as próprias comunidades de onde vem esse saber. “Muitas vezes, uma planta amazônica tem uma determinada atividade que acaba não gerando renda para as comunidades. Então, queremos gerar produtos de alto valor agregado para que as comunidades daquela cadeia produtiva sejam beneficiadas, fortalecendo a bioeconomia. As instituições com quem temos parcerias têm contatos diretos com pequenos produtores que fornecem essa matéria-prima”, enfatiza a coordenadora.
“Além disso, em termos de sustentabilidade, utilizamos resíduos que seriam jogados no meio ambiente, prejudicando a natureza. Pelo contrário, transformamos esses resíduos em matéria-prima para novos produtos, que venham a beneficiar novamente as comunidades e a sociedade como um todo”, conclui Marcele.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.