Inventários florestais são estudos técnicos que permitem conhecer uma floresta, identificando, de forma quantitativa e qualitativa, quais recursos ela possui. As informações obtidas são essenciais para o planejamento, manejo e uso daquela área, seja para preservação, exploração sustentável ou recuperação de áreas degradadas.
Mas a realização do inventário, por métodos tradicionais, costuma ser bastante trabalhosa. Envolve, pelo menos, 73 dias de esforço e uma equipe de cinco profissionais para mapear a área. A cada dia de trabalho, são mapeados cerca de 20 hectares.
A novidade é que esse processo tem se tornado mais ágil, barato e preciso por meio do uso de inteligência artificial e drones. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Acre desenvolveu uma tecnologia, denominada Netflora, que utiliza os recursos tecnológicos para mapear até 3.500 hectares por dia, produzindo reconhecimento de espécies, localização geográfica das árvores, métricas e mapas, em uma velocidade de 2 hectares por segundo. A iniciativa é liderada pelo engenheiro agrônomo Evandro Orfanó.
A nova ferramenta já mapeou áreas no Acre, em Rondônia e no Amazonas. No período de um ano, mais de 70 mil hectares foram inventariados. O objetivo é chegar a outros estados, em parceria com as demais Embrapas da Amazônia.
CASTANHA-DO-PARÁ
No Amazonas, o trabalho foi realizado em parceria com a Embrapa Amazônia Ocidental e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do estado, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã. Na área, foram identificadas 604 castanheiras (Bertholletia excelsa) e mais de 14 mil outras espécies arbóreas em 1.150 hectares de floresta. O extrativismo da castanha-do-pará tem um papel vital na bioeconomia local, fornecendo a principal fonte de sustento para várias famílias da região.

Assim, o próximo passo do projeto, seja na RDS do Uatumã ou em outras áreas mapeadas, é oferecer um aplicativo para os celulares dos extrativistas, que terão acesso aos inventários digitais. Por meio da plataforma, será possível visualizar a localização exata das árvores e se orientar pela floresta da mesma forma que se “navega” em uma cidade à procura de uma localização, já que cada árvore mapeada terá um “endereço” único.
Isso permitirá que os trabalhadores localizem com mais precisão as espécies de interesse, otimizando rotas, reduzindo o esforço físico em longas caminhadas e facilitando a coleta. As áreas de extração poderão ser ampliadas e a exploração poderá se tornar mais eficiente e também mais sustentável, com redução de impactos ambientais e monitoramento para a preservação.
O extrativista de castanha-do-pará Marcondes Costa, do distrito de Nova Califórnia, em Porto Velho, Rondônia, participou do mapeamento da área onde atua junto com os técnicos da Embrapa. “Acho que esse mapeamento vai nos ajudar muito, porque vamos encontrar as árvores que estão fora da nossa trilha. Sabendo onde estão as castanheiras, aquelas onde ainda não chegamos, vai melhorar muito. Termos esse mapeamento em aplicativo no celular vai contribuir não só pra mim, como para todos que estão fazendo a mesma coisa, porque são várias equipes de coleta”, afirma.

Projeto quer otimizar a coleta extrativista
Na RDS do Uatumã, o trabalho foi realizado em parceria com um outro projeto, da Embrapa Amazônia Ocidental, liderado pela engenheira florestal Kátia Emídio e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas. Denominada “Otimização da Coleta Extrativista da Castanha-do-Brasil no Amazonas”, a iniciativa pretende aperfeiçoar as técnicas de extração e transporte da castanha, que em geral, são realizadas com baixo nível tecnológico e grande esforço físico dos extrativistas.
A ideia do projeto é avaliar custos operacionais e econômicos de implantar cabos aéreos, semelhantes a tirolesas, para realizar a atividade na Reserva, contribuindo para dar maior ergonomia aos trabalhadores e maior agilidade ao trabalho. Tradicionalmente, os extrativistas carregam sacos ou paneiros de castanha, o que pode causar prejuízos ao longo do tempo, como dores na coluna.
LOCALIZAÇÃO
Mas, para usar a tecnologia dos cabos, é imprescindível saber precisamente onde estão as castanheiras. Aí entra o mapeamento realizado pela metodologia Netflora. “Para a gente otimizar a coleta, precisa saber como as castanheiras se distribuem no espaço, quais os locais de difícil acesso, as áreas que ficam alagadas no período de extração, ou áreas com declives muito grandes, ou ainda a presença de igarapés. A tecnologia dos cabos pode ser extremamente importante nessa atividade, reduzindo os esforços dos extrativistas. E o inventário é o início de tudo, porque, identificando onde estão as castanheiras, eu consigo otimizar o traçado dos cabos aéreos”, explica Kátia Emídio.

Segundo a pesquisadora, o projeto se encontra na fase final. “Já fizemos um inventário físico na área, que depois validamos com a tecnologia desenvolvida pela Embrapa Acre. O uso de inteligência artificial foi extremamente positivo na identificação das castanheiras”, comenta a engenheira florestal.
BIOECONOMIA
Para Kátia, as facilidades trazidas pelas duas metodologias ajudarão a impulsionar a bioeconomia local. “São tecnologias que podem atrair os jovens, que hoje já não se envolvem tanto com as atividades extrativistas dos pais. Há famílias que coletam castanha há gerações, e isso pode ajudar a manter essa atividade, culturalmente falando, mas também do ponto de vista social e econômico, podendo gerar mais renda e trazer mais pessoas para a coleta. Assim, o extrativismo da castanha no local pode se manter por mais tempo”, destaca.
A pesquisadora acrescenta que o inventário não apenas permite planejar a coleta, como também dar noção do estoque de castanhas. “Dá pra saber quanto eu tenho daquele recurso, quantas castanheiras identificadas podem produzir. Posso quantificar meu recurso florestal. Isso não só para castanheiras, mas outras espécies de interesse também”, pontua. Na RDS do Uatumã, por exemplo, foram localizadas outras árvores de interesse comercial, como breu branco, baru e copaíba.
Processo de mapeamento florestal é dividido
Evandro Orfanó, líder do projeto que utiliza inteligência artificial para fazer os inventários florestais, explica que a atividade envolve dois passos. “O primeiro passo é a obtenção das chamadas ortofotos a partir de drones, que sobrevoam a floresta de forma automatizada. Depois de obtidas as ortofotos, essas imagens do drone são rodadas em uma inteligência artificial”, esclarece.

O pesquisador aponta que, a partir das ortofotos, é possível obter medidas, como se fossem imagens de satélite. “Só que uma imagem de satélite tem resolução de 30 metros e as imagens de drone têm a resolução de 4 centímetros. Com essa resolução, é possível treinar a inteligência artificial para reconhecer padrões de copas de árvores e, assim, identificar cada espécie”, indica Orfanó.
TECNOLOGIA
A ferramenta é a evolução de uma tecnologia anterior denominada ModeFlora, criada ainda em 2007 pela Embrapa Acre. “O ModeFlora é atualmente utilizado no planejamento florestal de praticamente todos os planos de manejo do Acre, Rondônia, sul do Amazonas e também outras florestas nacionais. E nós continuamos em desenvolvimento dessa tecnologia, agora com o uso de inteligência artificial”, diz Orfanó.
A IA traz a vantagem, também, de ampliar o conhecimento sobre a própria diversidade da floresta amazônica. Com o enriquecimento do banco de dados com as imagens e treinamento da inteligência artificial, o algoritmo passa a reconhecer cada vez mais e melhor não só as espécies já conhecidas, mas muitas outras, como diferentes tipos de palmeiras e até árvores mortas. “A IA reconhece padrões específicos, aspecto que facilita a identificação de novas espécies e o enriquecimento contínuo do banco de dados do Netflora”, acrescenta Orfanó.

TREINAMENTO
A ferramenta está disponível ao público e pode ser utilizada a partir da realização de um curso online oferecido pela Embrapa. “Nós damos o treinamento a distância e auxiliamos com todos os parâmetros de voo, todo o subsídio técnico”, aponta Orfanó. Todas as informações podem ser obtidas no site do projeto Netflora.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.